O brinde
O brinde só se popularizou no século XVI, na Inglaterra. Em inglês, o termo significa "toast" (torrada), que vem do hábito de colocar pão torrado num cálice. Ao beber à saúde de alguém, era preciso beber todo o vinho para então alcançar a torrada embebida.
Mas existem inúmeras explicações para a prática do brinde. Uma delas diz que o brinde é o costume de bater levemente os copos uns nos outros antes de beber. Diz a lenda que essa prática começou para "misturar" o conteúdo dos copos antes de bebê-lo. Se algum deles estiver com veneno, ele seria diluído nos demais copos e seus efeitos diminuídos.
Hoje em dia essa questão é muito mais prosaica. O brinde é usado na celebração e em grandes acontecimentos em que o contato com os copos indica o desejo de união, paz e alegria entre os presentes. O brinde evoluiu a ponto de não se limitar apenas ao toque das taças. Diz-se que o brinde é uma oportunidade de realçar e reunir os cinco sentidos humanos nos do vinho:
- O olfato: representado pelo aroma
- O paladar: representado pelo sabor
- O tato: representada pela temperatura
- A visão: representada pelas cores
- A audição: representada pelo som do toque das taças já que não há a possibilidade de "ouvi-lo"
Concavidade nas garrafas
Um fato curioso é a presença de concavidade no fundo de várias garrafas de vinho, anedotalmente associada à sua qualidade. Embora seja comum ouvir a informação de que quanto maior a concavidade, melhor o vinho, não há fontes confiáveis que confirmem essa relação e pode-se ver facilmente vinhos bons e caros com concavidade menor que alguns de qualidade inferior ou, mesmo, sem concavidade alguma. Não há uma explicação consensual para o real propósito da concavidade, apesar de haver algumas mais comuns, como:
• É um remanescente histórico da era em que as garrafas eram feitas artesanalmente, sopradas através de um cano. Essa técnica deixava uma ponta na base da garrafa, fazendo com que fosse necessária a concavidade para que essa ponta não arranhasse a mesa ou deixasse a garrafa instável (sem equilíbrio).
• Teria a função de deixar a garrafa mais estável, já que uma pequena imperfeição na mesa seria suficiente para desestabilizar uma garrafa de fundo plano.
• Consolida os sedimentos em um anel espesso no fundo da garrafa, diminuindo a quantidade de resíduos despejada nas taças, ao ser servido o vinho.
• Aumenta a resistência das garrafas, permitindo que armazenem vinhos ou champanhe com pressão mais elevada.
• Mantém as garrafas fixas em pinos de esteiras condutoras nas linhas de produção onde as garrafas são preenchidas.
• Acomoda os dedos, facilitando o serviço do vinho.
• De acordo com a lenda, a concavidade era usada pelos servos. Eles frequentemente sabiam mais que seus mestres sobre o que se passava na cidade e, com o dedo colocado na concavidade, sinalizavam caso o convidado não fosse confiável.
• Disponibiliza uma melhor pegada manual para a produção tradicional de vinho espumante.
• Diminui o volume real da garrafa, dando a falsa impressão de que se está levando mais vinho que a quantidade real.
• As tavernas possuíam um pino de aço verticalmente fixado no bar, onde as garrafas vazias teriam seus fundos perfurados de modo a garantir que não seriam cheias novamente.
• A concavidade age como uma lente, refratando a luz e tornando a cor do vinho mais chamativa.
• Diminui a chance de a garrafa ressonar durante o transporte.
• Permite o empilhamento mais fácil das garrafas.
As Histórias do Vinho
Não se pode apontar precisamente o local a época em que o vinho foi feito pela primeira vez, do mesmo modo que não sabemos quem foi o inventor da roda. Uma pedra que rola é um tipo de roda; um cacho de uvas caído, potencialmente, torna-se, um tipo de vinho. O vinho não teve que esperar para ser inventado: ele estava lá, onde quer que uvas fossem colhidas e armazenadas em um recipiente que pudesse reter seu suco.
Há inúmeras lendas sobre onde teria começado a produção de vinhos e a primeira delas está no Velho Testamento. O capítulo 9 do Gênesis diz que Noé, após ter desembarcado os animais, plantou um vinhedo do qual fez vinho, bebeu e se embriagou. Entre outros aspectos interessantes sobre a história de Noé, está o Monte Ararat, onde a Arca ancorou durante o dilúvio. Essa montanha de 5.166 metros de altura é o ápice dos Cáucasos e fica entre a Armênia e a Turquia. Entre as muitas expedições que subiram o monte a procura dos restos da Arca, apenas uma, em 1951, encontrou uma peça de madeira.
O vinho está relacionado à mitologia grega. Um dos vários significados do Festival de Dionísio em Atenas era a comemoração do grande dilúvio com que Zeus (Júpiter) castigou o pecado da raça humana primitiva. Apenas um casal sobreviveu. Seus filhos eram: Orestheus, que teria plantado a primeira vinha; Amphictyon, de quem Dionísio era amigo e ensinou sobre vinho; e Helena, a primogênita, de cujo que nome veio o nome da raça grega.
A mais citada de todas as lendas sobre a descoberta do vinho é uma versão persa que fala sobre Jamshid , um rei persa semi-mitológico que parece estar relacionado a Noé, pois teria construído um grande muro para salvar os animais do dilúvio. Na corte de Jamshid, as uvas eram mantidas em jarras para serem comidas fora da estação. Certa vez, uma das jarras estava cheia de suco e as uvas espumavam e exalavam um cheiro estranho sendo deixadas de lado por serem inapropriadas para comer e consideradas possível veneno. Uma donzela do harém tentou se matar ingerindo o possível veneno. Ao invés da morte ela encontrou alegria e um repousante sono. Ela narrou o ocorrido ao rei que ordenou, então, que uma grande quantidade de vinho fosse feita e Jamshid e sua corte beberam da nova bebida.
A propósito, o código de Hammurabi e o código dos hititas são os dois primeiros livros sobre leis de que temos conhecimento e ambos fazem referência aos vinhos. No código de Hammurabi há três tópicos relacionados com as "casas de vinho". O primeiro diz que "a vendedora de vinhos que errar a conta será atirada à agua"; o segundo afirma que "se a vendedora não prender marginais que estiverem tramando e os levar ao palácio seria punida com a morte"; a última diz que "uma sacerdotisa abrir uma casa de vinhos ou nela entrar para tomar um drinque, será queimada viva".
Os egípcios não foram os primeiros a fazer vinho, mas certamente foram os primeiros a saber como registrar e celebrar os detalhes da vinificação em suas pinturas que datam de 1.000 a 3.000 a.C. Haviam, inclusive, expertos que diferenciavam as qualidades dos vinhos profissionalmente. Nas tumbas dos faraós foram encontradas pinturas retratando com detalhes várias etapas da elaboração do vinho, tais como: a colheita da uva, a prensagem e a fermentação. Também são vistas cenas mostrando como os vinhos eram bebidos: em taças ou em jarras, através de canudos, em um ambiente festivo, elegante, algumas vezes, licencioso. O consumo de vinho parece ter sido limitados aos ricos, nobres e sacerdotes. Os vinhedos e o vinho eram oferecidos ao deuses, especialmente pelos faraós, como mostram os registros do presente que Ramses III (1100 a.C.) fez ao deus Amun.
O gosto dos gregos pelo vinho pode ser avaliado pela descoberta recente da adega do rei Nestor, de Pilos, cidade da Peloponésia (sul da Grécia). A capacidade da adega do rei foi estimada em 6.000 litros, armazenados em grandes jarras denominadas "pithoi". O vinho era levado até a adega dentro de bolsas de pele de animal que deviam contribuir para a formação do buquê do vinho.
Homero também descreve os vinhos gregos ao narrar as viagens de Odis-seu e entre eles está o vinho do sacerdote Maro: vinho tinto, com doçura do mel e tão forte que era diluído com água na proporção de 1:20. Quando foi aprisionado na, costa da Sicília, pelo cíclope Polifemus, Odisseu ofereceu-lhe o vinho de Maro como digestivo. Como o cíclope estava acostumado com o fraco vinho da Sicília, após tomar o vinho forte caiu em sono profundo, o que permitiu a Odisseu extrair-lhe o olho.
O amor dos gregos pelos vinhos pode ser avaliado pelos "Simpósios", cujo significado literal é "bebendo junto". Eram reuniões (daí o significado atual) onde as pessoas se reuniam para beber vinho em salas especiais, reclinados confortavelmente em divãs, onde conversas se desenrolavam num ambiente de alegre convívio. Todo Simpósio tinha um presidente cuja função era estimular a conversação. Embora muitos Simpósios fossem sérios e constituídos por homens nobres e sábios, havia outros que se desenvolviam em clima de festa, com jovens dançarinas ao som de flautas.
Entre as muitas evidências da sabedoria grega para o uso do vinho são os escritos atribuídos a Eubulus por volta de 375 a.C. : "Eu preparo três taças para o moderado: uma para a saúde, que ele sorverá primeiro, a segunda para o amor e o prazer e a terceira para o sono. Quando essa taça acabou, os convidados sábios vão para casa. A quarta taça é a menos demorada, mas é a da violência; a quinta é a do tumulto, a sexta da orgia, a sétima a do olho roxo, a oitava é a do policial, a nona da ranzinzice e a décima a da loucura e da quebradeira dos móveis."
Além dos aspectos comercial, medicinal e hedônico o vinho representava para os gregos um elemento místico, expresso no culto ao deus do vinho, Dionísio ou Baco ou Líber. Entre as várias lendas que cercam a sua existência, a mais conhecida é aquela contada na peça de Eurípides. Dionísio, nascido em Naxos, seria filho de Zeus (Júpiter), o pai dos deuses, que vivia no Monte Olimpo em Thessaly e da mortal Sêmele, a filha de Cadmus, o rei de Tebas. Semele, ainda no sexto mês de gravidez, morreu fulminada por um raio proveniente da intensa luminosidade de Zeus. Dionísio foi salvo pelo pai que o retirou do ventre da mãe e o costurou-o na própria coxa onde foi mantido até o final da gestação. Dionísio se confunde com vários outros deuses de várias civilizações, cujos cultos teriam origem há 9.000 anos. Originalmente, era apenas o deus da vegetação e da fertilidade e gradualmente foi se tornando o deus do vinho, como Baco deus originário da Lídia.
Galeno (131-201 d.C.), o famoso grego médico dos gladiadores e, posteriormente médico particular do imperador Marco Aurelio, escreveu um tratado denominado "De antídotos" sobre o uso de preparações à base de vinho e ervas, usadas como antídotos de venenos. Nesse tratado existem considerações perfeitas sobre os vinhos, tanto italianos como gregos, bebidos em Roma nessa época: como deveriam ser analisados, guardados e envelhecidos
Após a queda do Império Romano seguiu-se uma época de obscuridade em praticamente todas as áreas da criatividade humana e os vinhedos parecem ter permanecido em latência até que alguém os fizesse renascer.
Chegamos à Idade Média, época em que a Igreja Católica passa a ser a detentora das verdades humanas e divinas. Felizmente, o simbolismo do vinho na liturgia católica faz com que a Igreja desempenhe, nessa época, o papel mais importante do renascimento, desenvolvimento e aprimoramento dos vinhedos e do vinho. Assim, nos séculos que se seguiram, a Igreja foi proprietária de inúmeros vinhedos nos mosteiros das principais ordens religiosas da época, como os franciscanos, beneditinos e cistercienses (ordem de São Bernardo), que se espalharam por toda Europa, levando consigo a sabedoria da elaboração do vinho.
Os hospitais também foram centros de produção e distribuição de vinhos e, à época, cuidavam não apenas dos doentes, mas também recebiam pobres, viajantes, estudantes e peregrinos. Um dos mais famosos é o Hôtel-Dieu ou Hospice de Beaune, fundado em 1443, até hoje mantido pelas vendas de vinho.
Também as universidades tiveram seu papel na divulgação e no consumo do vinho durante a Idade Média. Numa forma primitiva de turismo, iniciada pela Universidade de Paris e propagada pela Europa, os estudantes recebiam salvo conduto e ajuda de custos para viagens de intercâmbio cultural com outras universidades. Curiosamente, os estudantes andarilhos gastavam mais tempo em tavernas do que em salas de aulas e, embora cultos, estavam mais interessados em mulheres, músicas e vinhos. Eles se denominavam a "Ordem dos Goliardos" e, conheciam, mais do que ninguém, os vinhos de toda a Europa.
É interessante observar que é da idade média, por volta do ano de 1.300, o primeiro livro impresso sobre o vinho:"Liber de Vinis". Escrito pelo espanhol ou catalão Arnaldus de Villanova, médico e professor da Universidade de Montpellier, o livro continha uma visão médica do vinho, provavelmente a primeira desde a escrita por Galeno. O livro cita as propriedades curativas de vinhos aromatizados com ervas em uma infinidade de doenças. Entre eles, o vinho aromatizado com arlequim teria "qualidades maravilhosas" tais como: "restabelecer o apetite e as energias, exaltar a alma, embelezar a face, promover o crescimento dos cabelos, limpar os dentes e manter a pessoa jovem". O autor também descreve aspectos interessantes como o costume fraudulento dos comerciantes oferecerem aos fregueses alcaçuz, nozes ou queijos salgados, antes que eles provassem seus vinhos, de modo a não perceberem o seu amargor e a acidez. Recomendava que os degustadores "poderiam safar-se de tal engodo degustando os vinhos pela manhã, após terem lavado a boca e comido algumas nacos de pão umedecidos em água, pois com o estômago totalmente vazio ou muito cheio estraga o paladar ". Arnaldus Villanova, falecido em 1311, era uma figura polêmica e acreditava na segunda vinda do Messias no ano de 1378, o que lhe valeu uma longa rixa com os monges dominicanos que acabaram por queimar seu livro.
É importante mencionar um fato importantíssimo e trágico na história da vitivinicultura, ocorrido da segunda metade do século passado, em especial na década de 1870, até o início deste século. Trata-se de uma doença parasitária das vinhas, provocada pelo inseto Phylloxera vastatrix, cuja larva ataca as raízes. A Phylloxera, trazida à Europa em vinhas americanas contaminadas, destruiu praticamente todas as videiras europeias. A salvação para o grande mal foi a descoberta de que as raízes das videiras americanas eram resistentes ao inseto e passaram a ser usadas como porta-enxerto para vinhas europeias. Desse modo, as videiras americanas foram o remédio para a desgraça que elas próprias causaram às vitis europeias.
Finalmente, é imprescindível lembrarmos as descobertas sobre os microorganismos e a fermentação feitas por Louis de Pasteur (1822-1895) e publicadas na sua obra "Études sur le Vin". Essas descobertas constituem o marco fundamental para o desenvolvimento da enologia moderna.
A partir do século XX a elaboração dos vinhos tomou novos rumos com o desenvolvimento tecnológico na viticultura e da enologia, propiciando conquistas tais como o cruzamento genético de diferentes cepas de uvas e o desenvolvimento de cepas de leveduras selecionadas geneticamente, a colheita mecanizada, a fermentação "a frio" na elaboração dos vinhos brancos, etc. Ainda que pese o romantismo de muitos que consideram (ou supõem?) os vinhos dos séculos passados como mais artesanais, os vinhos deste século têm, certamente, um nível de qualidade bem melhor do que os de épocas passadas. Na verdade algumas conquistas tecnológicas, como as substituições da rolha e da cápsula por artefatos de plástico e da garrafa por caixinhas do tipo "tetra brik" são de indiscutível mau gosto e irritam os amantes do vinho.
Resta-nos esperar que os vinhos dos séculos vindouros melhorem ou, pelo menos, mantenham o nível de qualidade sem perder o charme dos grandes vinhos do século XX !
(Trechos extraídos da obra de Hugh Johnson "The Story of Wine" da editora Mitchell-Beazley, Londres, 1989)
Livros Recomendados
- Vinho e Guerra - Pete e Don Kladstrup, 2002 - Editora Jorge Zahar - Excelente livro sobre os vinhos roubados e escondidos por Hitler durante a segunda guerra.
- Larousse do Vinho - Editora Larousse do Brasil - Enciclopédia sobre os vinhos de todo o mundo.
- Robert Parker - O Imperador do Vinho, 2006 - Elin McCoy - Editora Campus - Histórias e biografia de um dos mais respeitados enólogos do mundo.
- A História do Vinho - Hugh Johnson, 1999 - Editora Companhia das Letras.
- Iniciação à enologia - Aristides de Oliveira Pacheco, 2006 - Editora Senac. - Histórias e informações básicas para iniciantes.
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